quarta-feira, 29 de abril de 2009

sobre a gravidade

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Em estado de cena, falava de si por filas de palavras.
O peso da bebida em seus olhos, um nó na garganta. Um uivo.
Dizia: -Sua ausência é a responsável pelo meu ato mundano.
Enquanto uma força precisa arrastava sua linguagem para o mal que podia fazer a si mesmo.

Pausa. Lençóis de água rasgavam-se em ondas contra dentes brancos.
Uma árvore genealógica de folhas novas. Incidente fútil, infantil, sofisticado, obscuro, apenas presa do seu imaginário. Como o uivo.

Me instalo num café, as pessoas vem me cumprimentar, mas vc não está.
Eu te convoco em mim enquanto manipulo fatos, crio sentidos.
O incidente é um signo, não um indício. Como o uivo.

Tudo a machuca, minha risada, minha fome, minha persistência, minha indiferença, tudo...
Eu digo:-Vamos para onde olhem a gente nos olhos.
Te faço voltar na mesma proporção que te esqueço, contrariando as leis da gravidade.
Com meu uivo.

Eles existem. Correm sobre os oceanos, se alegram dos seres da noite que os habitam, frequentam os festejos escondidos em locais remotos do alto-mar, conseguem lidar consigo mesmos ao olhar para o ensurdecedor horizonte, amam os estados de tempestades noturnas e naufrágios (eles querem estar à deriva), queimam oferendas ao vento por conhecerem a dignidade das cinzas, produzem um certo som de encantamento que se perpetua na linha entre a água e o ar, e que invoca a água dos olhos.

A alcatéia inteira sorriria se acordasse mais vezes ao relento.
Sol, fome, sol, sede, sol, sono, sol, dia, sol, noite, sol, chuva, sol, encanto.


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sexta-feira, 24 de abril de 2009

carícia

Gostava de sentir os cabelos assim soltos mesmo, soltos e escorrendo sobre o rosto como uma carícia constante de si para si. Ali naquele lugar formava-se um estado ideal de troca entre a pele do rosto e aqueles fios que cresciam. Todos sabem que a pele do rosto é aquela que mais precisa da carícia. O cabelo crescia e provocava seu corpo a alguma resposta... mudava seu jeito de se inclinar para a frente e para trás, de chamar um taxi ou de olhar para os olhos dos outros. Aqueles fios cresciam enquanto só fazia crescer nela o desejo por todo e qualquer tipo de vento que a soprasse, na rua, nos corredores, no caminho para o trabalho.

Tudo isso a fazia se sentir mais forte.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

outono

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Lembro do dia em que te reconheci. Foi num outono desses, como tantos... vc me viu enlouquecer aos céus daquele outono todo, velando meu sono, evitando que eu entrasse naquelas brigas feias em plenos salões de poker da Rua Anatole, pousando bifes sobre meus olhos injetados, pagando prestações atrasadas do meu sofá empoeirado, me mostrando o pôr-do-sol de Friedrichshain, fazendo dos seus jantares vegans pra mim o tempo todo...............


..............ora vc sabe, um olhar sobre minhas mãos e era como se houvesse uma carta com tudo escrito sobre mim que vc havia lido antes de ir ao meu encontro e esse alento que vc me dava de quase um frio e eu podia te esquentar um pouco com uns movimentos rápidos sobre seu casaco de lã e vc sorria sempre enquanto andávamos próximos como dois amigos e gostávamos de ter um ao outro no outono todo e acordávamos apenas para nos telefonar e contar qualquer sono besta e gostávamos do cheiro da rede de cafeterias 01 minuto mas vc achava o gosto do café forte demais e sempre me dava sua metade enquanto os tipos mau-humorados grunhiam para liberarmos o balcao, mas era confortavel pra vc ficar de pé sobre o aro de apoio do contorno do balcao das cafeterias 01 minuto, além do que eles poliam as máquinas a toda hora até ficarem douradas e gastas mas a luz era mesmo bacana sobre elas, era bonita mesmo, e vc sempre queria tirar umas fotos bestas daquelas máquinas com seus vapores........................ e agora, enquanto te escrevo essas palavras, vejo que eu já nao sei mais como seria se eu não pudesse enlouquecer de outono, sem ter voce nele...


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quarta-feira, 15 de abril de 2009

pergunta ao tempo

me pareço com essas garotas que desmontam um despertador para saber o que é o tempo.
inventando sentidos ponteiros que me fazem arrepiar de entendimento.
mas saiba, é o acaso que intriga comigo.
enquanto vejo meu corpo, histericamente, produzindo incidentes.

por isso sujeita a acessos de afastamento estou.
temporários, costumava dizer isso... como quem fala sobre o tempo lá fora.
melhores se consumidos em... sondava, como quem conta com o tempo de dentro.

e você me espera aí onde não quero ir.
e você me ama aí onde não estou.
(como um distante que não manda sinais por auto consumí-los em si mesmo a cada novo surto de procura pelo outro)
nada sobra para dar
(mas sua voz não dava o que seu corpo dava)

mas olha que essa ausência bem suportada não é nada além de esquecimento...

entre uma e outra valsa contida, me pergunto:

como será aos que quiserem algo que os salve dessa falta de realidade, sem que esse algo seja um medo, um mito ou um modo adequado... ?

temos tempo?